O economista humanizado

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no pinterest

Cresceu ao lado de um avô de extrema esquerda e do outro de extrema direita. Em 2012, chorou a perda do pai e de um filho. No ano seguinte, obteve o maior número de negócios em 15 anos da companhia da qual é sócio, a BFA Negócios e Consultoria Financeira. O contraditório margeia a vida do economista Célio Fernando Bezerra Melo, especialista em mercado financeiro e premiado homem de negócios. Pela primeira vez, ele fala à imprensa sobre a morte do seu filho, Felipe Melo, 17, em acidente na Nova Zelândia em agosto de 2012. Foi uma hora e onze minutos de entrevista na sala de reuniões da empresa – mais algumas horas de conversa não gravada -, para Célio concluir que inseriu na sua vida pessoal e familiar um conceito antes aplicado somente em suas consultorias e opiniões econômicas: reconstrução.

 

O POVO – O senhor lida com aquisições e fusões de grandes empresas nacionais. Estar no Ceará, fora do coração financeiro do País, dificulta a atuação?

Célio Fernando – A BFA está com 15 anos. Tem toda uma história para chegar até aqui. A gente teve um acesso muito forte. A minha formação, as atuações que tive antes, me ajudaram a ter um certo destaque.

OP – O senhor já foi sondado para assumir cargos em gestões municipais e estaduais. Por que ainda não aceitou?

Célio – Todo mundo tem que ser um ser político. O que mais me leva a participar de uma entrevista dessa natureza é a oportunidade para dizer que estou dando alguma contribuição para a sociedade. Eu acabo contribuindo de uma forma política sendo uma pessoa de reflexão. Não sei se é certo ou errado, mas eu posso oferecer uma antítese ou uma reflexão, uma versão diferente, até mesmo para não criar verdades. Isso é importante para a sociedade.

OP – O senhor conseguiria passar da esfera empresarial/privada para a esfera pública?

Célio – Você pensa que pode contribuir ali. Não é nem por racionalidade, porque não faz sentido. Tenho um caminho profissional que está dando certo e entrar em uma situação com uma complexidade que você é envolvido em situações nas quais desconhece ou não tem controle. Quando você vai ver, está altamente exposto. Você está privadamente exposto, não tem importância nenhuma, porque, dos prejuízos ou resultados, tenho mais controle. A gente tem que ter um conteúdo político natural. Se estamos falando de economia, eu sei que tem uma discussão de economia política regional, nacional e internacional. Não necessariamente você aspira um cargo público. É natural que as pessoas conversem com você e você tem uma vertente que admira mais.

 

OP – Qual o convite mais recente?

Célio – Não é cargo político, é um convite para uma discussão. Não por questões político-partidárias. O Eudoro (Santana, titular do Instituto de Planejamento de Fortaleza – Iplanfor), me convidou para participar de um grupo para discutir um projeto para Fortaleza, o Fortaleza 2040. Dentro do que ele me convide, eu vou estar participando.

 

OP – Que contribuição já apresentou?

Célio – Eu gosto de falar da Fortaleza azul, da Economia do Mar. A gente tem 34 quilômetros de costa. Tem garantidos 12 milhas de mar territorial. Quando vai para as zonas econômicas especiais, tem mais 180 milhas, são 40 vezes a cidade de Fortaleza dentro do mar. Você pode ter fazendas de piscicultura, indústrias de piscicultura. Essa é a reflexão. Não quer dizer que as coisas vão acontecer, mas a gente começa a integrar a Beira-Mar com o Acquario, o Museu do Mar, Mercado do Peixe. Só o que se fala são em fronteiras atlânticas.

 

OP – O Acquario, um investimento de US$ 150 milhões, é de interesse da economia e sociedade cearense?

Célio – Não com o objetivo exclusivo de turismo, mas com pesquisa oceanográfica, parceria com universidades, buscando novas plataformas de utilização, tudo isso faz sentido. Toda vida, esse debate acaba sendo uma agenda política. Não sei a linha de prioridade ou a linha dos gastos. A viabilidade é fundamental. Todos esses grandes projetos, precisam ser reorientados para a vocação de Fortaleza. Isso é importante. Tem que ver também quais os benefícios privados dos serviços públicos. Os grupos de interesse dizem que sabem o que é bom para a sociedade. E eu que sou da população não sei o que é bom para a sociedade? É difícil. Na ditadura, os regimes econômicos foram muito mais virtuosos, principalmente, no Brasil. Democracia versus crescimento é um negócio sério. Se eu tenho precariedades, tenho que evolui em termo de educação, de segurança, se eu tenho toda uma periferia que não participa dessa discussão, como é que eu faço essa inserção?

OP – Qual a diferença entre o saber acadêmico e o saber de mercado?

Célio – No Brasil, a gente tem uma distância grande, quase que inexorável. Aquilo que se aprofunda e que se descobre, muitas vezes, não é o interesse do poder hegemônico. O poder vai definir até o tipo de educação que vai ser inserida. E eu não estou falando de aprender matemática ou português. É algo muito mais elevado. A academia cria o próprio viés dela. Até que ponto eu faço uso daquele conhecimento que a universidade produz quando eu desejo ou quando é necessário? Soluções podem existir o tempo todo.

OP – O mercado não faz bom uso da produção acadêmica?

Célio – Não é o mercado. O mercado faz também o uso dentro da sua racionalidade. O mercado vai lá buscar o saber na faculdade, busca os melhores alunos e traz para ele para quer: o lucro. O Estado é que talvez tenha o maior hiato com a academia, porque ele poderia fazer melhor o uso, mas, de repente, não escuta ou escuta dentro do que ele quer. É o interesse de um grupo e não da sociedade.

OP – Nessa história de um grupo hegemônico definir o que é bom para a sociedade, é adequado implantar no Brasil ideias que deram certo em outros países, como se fosse a proposta certa?

Célio – Não faz sentido. O que a gente tem que pegar são lições. O Brasil tem pouco tempo de história. Você tem histórias seculares, até milenares, que devem ser acolhidas. Podem ter, de acordo com o contexto e momento, podem ser enquadradas. Defendo muito uma coisa chamada econômica tropical. Falo como antítese, não como a verdade. O detalhe é a nossa resiliência, construída do ponto de vista pessoal, familiar, corporativa e também nacional. Diante de uma crise econômica, você ter capacidade de voltar a um determinado ponto. Minha discussão hoje é sobre resiliência econômica. O estado nacional tem que encontrar o próprio modelo. Isso não é um debate pessoal, é um debate, por exemplo, do Fórum Econômico Mundial de Davos (que reúne anualmente líderes mundiais na cidade suíça).

OP – O senhor tem conhecimento do que está sendo vendido ou comprado no País. Falo do controle de empresas, que é um termômetro da economia. Como está o mercado de aquisição e fusão de empresas?

Célio – É natural que existam movimentos, como a gente chama. Não necessariamente esses movimentos vão ser aquisição, de compra de participação. Você pode ter as alianças de estratégia. O middle market (mercado das médias empresas), por exemplo, precisa de um sócio ou um investidor para crescer. É da natureza do ambiente econômico, que se faça esse tipo de aquisição. Pode ser com o fornecedor, não necessariamente tenha que ser uma aquisição direta. Fazer acesso ao mercado de capitais também é fundamental também.

OP – O momento econômico brasileiro está favorável para esse mercado?

Célio – O Brasil tem vivido um momento de apetite quanto a isso. A gente fica muito no termômetro olhando para a Bovespa. Lá, é uma situação concentrada, de grandes empresas. O grande mercado de capitais não aparece aí. Hoje, ele está muito perdido, até por conta dos preços controlados. As principais ações, como a Petrobras e Vale, não reflete uma queda da economia, reflete uma queda de intervenção. Quanto mais eu intervenho naquela empresa, mais o mercado retira preço.

OP – Tributos, burocracia e corrupção também interferem nesse mercado de médios e grandes com os quais o senhor atua?

Célio – É muito forte. As instituições brasileiras estão só caminhando. As políticas econômicas sempre estão ligadas a questões políticas-partidárias. Corrupção não é só no Brasil, tem no mundo inteiro. É da natureza humana. Quanto mais você burocratiza, mais você precisa de uma intermediação que não é necessária. Quanto maior a burocracia, maior a corrupção. Não tem como fugir de tudo isso. Como é que você muda toda essa natureza?

OP – Como é que muda?

Célio – Tem que primeiro mudar o homem. Não é tão fácil, porque a natureza humana tem uma complexidade muito grande. Aí tem fatores antropológicos, psicológicos, sociológicos e nossa economia está aqui no meio.

OP – O senhor foi jogador de xadrez. Ainda dá xeque-mates?

Célio – Com 7 anos, comecei a jogar xadrez. Com 12 anos, fui campeão de xadrez na cidade. Começa a desenvolver alguma coisa diferente. Tudo na vida, são fragmentos, isso ajuda. Na verdade, deixei quanto tinha 17 anos. Fui para um campeonato brasileiro em Brasília, representando o Ceará por meio do BNB Clube. Na primeira rodada, fui primeira página do Correio Braziliense. Fiz uma partida muito rápida. Foi o “prêmio de beleza”, no jargão do xadrez. Eu era muito magro. Fiquei cansado, as partidas eram longas. Eu não tinha condições físicas. Saí. Eu tinha um rate (classificação) importante.

OP – O seu pai foi educador. Isso influenciou seu gosto por leitura e pelas reflexão?

Célio – Meu pai iniciou uma escola. Ele era fã do Edilson Brasil Soárez (fundador do Colégio 7 de Setembro). Daí criou o colégio chamado 7 de Setembro lá no Paraná. Até o slogan era o mesmo. A cidade era Apucarana. O Dr. Edilson deu maior apoio, cedeu direitos e tudo. Depois, a gente veio embora e ele vendeu o colégio. Acho que não existe mais.

OP – Recentemente, o senhor passou por um drama pessoal. O que mudou na sua vida após a morte do seu filho, em acidente na Nova Zelândia?

Célio – (Respira fundo) Em 2012, meu pai faleceu em janeiro. Aquilo que não subverte a ordem, você contemporiza tranquilamente. Meu pai era uma pessoa cardíaca, teve os problemas dele e na idade certa, foi. Choramos pela saudade, o luto naquele primeiro semestre. Aquilo foi difícil. A vida tem me pregado algumas situações de completas reflexões em curto espaço de tempo. Naquele instante, eu tinha uma situação que não subvertia a ordem. No determinado momento, quando altera essa ordem, ela te exige uma transgressão maior. Tudo bem, você tem um apoio: a fé é uma coisa fundamental. Quem quiser, que acredite. No momento dessa mudança, desse corte, nós criamos na nossa família condições de resiliência, mas também de transgredir um pouco mais, de sair das nossas fronteiras. Minha mulher capitaneou o Instituto Felipe Martins de Melo, onde ela está abrigando uma série de eventos e discussões. A gente quis construir e tangibilizar. Isso tudo faz com que você mude. Você começa a questionar a felicidade. Isso também é aristotélico. Tendo dor, eu não posso ter felicidade. Tudo bem, mas eu tenho uma outra coisa, eu tenho uma vontade muito maior de transformação.

 

OP – Um ano e cinco meses sem o Felipe, o senhor considera que está conseguindo tocar a vida?

Célio – Tive a oportunidade de estudar em colégio público, de ter contraste a minha vida inteira, de altos e baixos, dificuldades e coisas boas. De repente, tive até no mesmo ano uma situação para poder vivenciar essa coisa de alguém não estar presente e eu ter que chorar todo dia uma saudade. Você sonha, vai comentar e chora essa saudade. Não tem como não chorar. Isso aí faz parte da natureza humana. Você passa a ser menos medroso. As coisas passam a ser bem menores.

 

OP – E o que é a felicidade hoje?

Célio – Não tenho a menor ideia.

OP – Antes, o senhor sabia?

Célio – Talvez não. Hoje eu tenho certeza que não tenho ideia. Talvez naquele tempo, eu tivesse construído. Sobre mim, como economista, falam: “Ah, conseguiu num sei o quê (fala de novos negócios ou prêmios”… Eu tenho boas coisas. Se isso traz algum tipo de sabor para nossa vida? Não vejo. Você passa a ter um outro tipo de construção, mas você fica lançado a desafios.

OP – O senhor se sente mais humano?

Célio – Mais humanizado. A distância de um filho é difícil para qualquer um. Você até se reavalia como é que você conduz a sua vida, se você está vivendo ou não está vivendo. Ou a tua vida serve para quê? Os “para quê” passam começam a ser traduzidos de outra forma. Essa coisa da humanização que você coloca é verdade. Você continua sendo o mesmo? Não tem nada disso.

OP – O que o Instituto Felipe Martins de Melo significa para o senhor?

Célio – Para mim? Tudo, do ponto de vista de uma construção. É o veículo que guarda uma memória tangível de uma pessoa que eu tenho saudade, ao mesmo tempo uma oportunidade para que eu construa resiliências. Minha posição é de provedor, a líder é minha esposa. Meus filhos participam. Eu falo do instituto como uma peça importante para ajudar até outas ONGs. São jovens fantásticos. Uns 20 jovens frequentam todo final de semana lá em casa. A gente pede até desculpas aos pais deles. Isso é um pedaço que nos abriga, nos conforta. Todo mundo tem defeito, a gente continua errando, mas tentar fazer um pouquinho, usa a solidariedade, é uma coisa que tem que ser natural. Será que a gente precisa ter uma dor, um sofrimento, uma paixão, uma coisa que te altere e crie essa humanização para fazer isso?

OP – O senhor ficou mais religioso?

Célio – Eu tento manter os mesmo hábitos, o pensamento e a atitude é que tem que ser diferenciada, porque, se não, você não é você. É sustentável aquilo que você é. Agora, frequento mais templos. Tenho ido a encontros de casais e aquilo é muito bom. Todos os templos são muito bons. A meditação é fundamental. A fé é uma coisa que se você não se apegar, perde o sentido da vida. Isso é a minha opinião.

OP – Que história é essa de o senhor ter cobrado uma bolsa de valores em Cuba?

Célio – (Sorrindo) Em Havana, fomos em uma missão da Souza Cruz, sobre inversiones estrangeiras para Desarollo de Cuba (investimentos estrangeiros para desenvolvimento de Cuba). Na primeira reunião, perguntei ao então vice-primeiro ministro da economia, quais eram os planos para a abertura da Bolsa de Havana. Ele respondeu: “non queremos los capitais voláteis em nosso Pais”. Meio que ríspido. Fiquei até preocupado. Mas éramos profissionais de investimentos, e foi assim.

OP – Na sua “coleção” de bastidores, há também um causo com o presidente russo…

Célio – Em uma missão de economistas coordenada pelo Conselho Federal de Economia, apoiada pelo Itamaraty, fomos à Rússia. Houve um momento em uma das reuniões junto a Autoridade Monetária, banco central local, que perguntei sobre o que seria um Banco Central independente na Rússia? O interlocutor principal respondeu: “Eu mesmo levei a lei de independência do BC ao presidente Putin.” E ele perguntou se é bom para o País. O interlocutor disse sim. Quando ele baixou a cabeça para assinar, virou a cabeça e perguntou: “Mas o presidente do banco será do partido, não é?” E o interlocutor respondeu que sim. (Gargalhou).

Recebe nossa Newsletter

Informe seu email no campo abaixo e fique por dentro de todas as novidades da BFA.

Compartilhe com seus amigos

Compartilhar no facebook
Compartilhar no google
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin

Junte-se a Nós

Venha trabalhar conosco!